A reforma agrária capitalista brasileira

Autores

  • Raul Cezar Bergold Pontifícia Universidade Católica do Paraná, PUC PR

Resumo

A propriedade privada é um direito inventado a partir de uma forma própria de organização e produção social característica do capitalismo. A sua construção ocorreu em conjunto com a consagração do pensamento científico e do Estado, além de outras estruturas voltadas à manutenção e reprodução capitalista, num verdadeiro sistema. A apropriação privada da terra trouxe um caráter de exclusividade no aproveitamento de seus recursos, eliminando direitos costumeiros que possibilitavam usos comuns como forma de assegurar condições mínimas de subsistência a todas as pessoas. Com a conquista das Américas, os padrões sociais europeus foram levados para o Novo Mundo, produzindo efeitos que trouxeram restrições aos modos de viver dos povos indígenas e, mais tarde, replicariam essas consequências sobre outros grupos da sociedade, como os quilombolas e os camponeses. As diversas formas de relação com a terra, orientadas por lógicas distintas da capitalista, não foram devidamente reconhecidas pelo modelo hegemônico, o que criou obstáculos determinantes à manutenção e reprodução econômica, social, política e cultural dos povos tradicionais. A propriedade privada, no Brasil, serviu à construção de uma estrutura fundiária extremamente concentrada e excludente, como forma de atender aos interesses de uma elite. A luta pelo direito de acesso à terra levou ao reconhecimento da necessidade de se realizar uma reforma agrária, que foi sempre questionada como afronta ao direito de propriedade privada. Assim, essa política estaria associada a um projeto socialista, que seria anacrônico ao se considerar a hegemonia do capitalismo liberal. Por outro lado, a maneira como a reforma agrária tem sido realizada no país permite que se verifique a aplicação de elementos puramente capitalistas, representando a expansão territorial e social desse sistema. Pela reforma agrária, então, promove-se a inclusão de terras ociosas e de mão de obra sub-explorada na lógica produtora e consumidora de mercadorias. Então, em vez de propor novas formas de relação com a terra, a reforma agrária reforça os padrões capitalistas que a fizeram necessária. O Estado permanece agindo como mediador dos interesses burgueses, servindo à organização da sociedade com a finalidade de que se ampliem as condições de prosperidade do sistema, sem atenção à efetivação de direitos fundamentais. E considerando o programa oficial de venda das terras aos assentados da reforma agrária, a política é efetivamente custeada pelos camponeses, cabendo ao Estado a intermediação de uma negociação que poderia se dar diretamente com o antigo proprietário. Com isso, o acesso à terra não permite a emancipação do trabalhador rural, apenas altera as relações de poder que determinam, sem deixar de coagir, a sua forma de existir.

Biografia do Autor

Raul Cezar Bergold, Pontifícia Universidade Católica do Paraná, PUC PR

Referências

ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. In: SADER, Emir (Org.). Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. São Paulo: Paz e Terra, 1998.

DALLARI, Dalmo de Abreu. A constituição na vida dos povos: da Idade Média ao século XXI. São Paulo: Saraiva, 2010.

DE LA TORRE RANGEL, Jesús Antonio. El derecho como arma de liberación en América Latina. Sociología jurídica y uso alternativo del derecho. CENEJUS, Centro de Estudios Jurídicos y Sociales P. Enrique Gutiérrez, Facultad de Derecho de la Universidad Autónoma de San Luis Potosí, México, 2006.

FOSTER, John Bellamy. A ecologia de Marx: materialismo e natureza. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.

FRIEDMAN, Milton; FRIEDMAN, Rose. Liberdade de escolher: o novo liberalismo econômico. Rio de Janeiro: Record, 1980.

FURTADO, Celso. Desenvolvimento e subdesenvolvimento. 5. ed. Rio de Janeiro: Contraponto, 2009.

GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. São Paulo: Ed. UNESP, 1991.

GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2008.

GROS, Denise Barbosa. Institutos liberais e neoliberalismo no Brasil da Nova República. Porto Alegre: Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser, 2003.

GUIMARÃES, Alberto Passos. Quatro séculos de latifúndio. 6. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989.

HAYEK, Friedrich. O caminho para a servidão. Lisboa: Edições 70, 2009.

HOBSBAWN, Eric. Como mudar o mundo: Marx e o marxismo, 1840-2011. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

HOPPE, Hans-Hermann. Uma teoria do socialismo e do capitalismo. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2013.

HUBERMAN, Leo. A história da riqueza do homem. 17. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.

IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística] (2009). Censo Agro 2006: IBGE revela retrato do Brasil agrário. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/ presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1464&id_pagina=1> Acesso em: 21 nov. 2011.

INCRA [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária]. Publicação especial do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Incra, a. 1, n. 2, dez. 2010.

JACOBI, Karin Bergit. Estado, direito e economia: do liberalismo clássico à “terceira via” - uma breve abordagem. In: NICZ, Alvacir Alfredo; ANDREATO, Danilo (Coords.). Estado, direito e sociedade. São Paulo: Iglu, 2010.

LIBERATO. Ana Paula Gularte. Reforma agrária: direito humano fundamental. 1. ed. Curitiba: Juruá, 2004.

MAZOYER, Marcel; ROUDART, Laurence. História das agriculturas no mundo: do neolítico à crise contemporânea. São Paulo: Editora UNESP; Brasília: NEAD, 2010.

MOREIRA, Vital. A ordem jurídica do capitalismo. 3. ed. Coimbra: Centelha, 1978.

OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. Modo de produção capitalista, agricultura e reforma agrária. São Paulo: FFLCH, 2007.

PASTOR, José Viciano. Libre competência y intervención en la economia. Valentia: Tiranant le Blanch, 1995.

SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés. A função social da terra. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003.

TOYODA, Hisashi. A apologia dos direitos humanos e a razão perversa do capitalismo. Revista de direito econômico e socioambiental, Curitiba, v. 1. n. 2, p. 333-366, jul./dez. 2010.

WAINER, Alejandro Rojas. Pluricultivos de la mente: enseñanzas del campesinato e de la agroecologia. Vertientes del pensamiento agroecológico: fundamientos y aplicaciones. Sociedade Científica Latinoamericana de Agroecología – Socla, 2009.

WOOD, Ellen Meiksins. As origens agrárias do capitalismo. Revista crítica marxista, São Paulo, n. 10, p. 13-29, 2000.

Downloads

Publicado

2014-02-28

Como Citar

Bergold, R. C. (2014). A reforma agrária capitalista brasileira. Revista Paradigma, (21). Recuperado de https://revistas.unaerp.br/paradigma/article/view/206

Edição

Seção

Artigos