A reforma agrária capitalista brasileira
Abstract
A propriedade privada é um direito inventado a partir de uma forma própria de organização e produção social característica do capitalismo. A sua construção ocorreu em conjunto com a consagração do pensamento científico e do Estado, além de outras estruturas voltadas à manutenção e reprodução capitalista, num verdadeiro sistema. A apropriação privada da terra trouxe um caráter de exclusividade no aproveitamento de seus recursos, eliminando direitos costumeiros que possibilitavam usos comuns como forma de assegurar condições mínimas de subsistência a todas as pessoas. Com a conquista das Américas, os padrões sociais europeus foram levados para o Novo Mundo, produzindo efeitos que trouxeram restrições aos modos de viver dos povos indígenas e, mais tarde, replicariam essas consequências sobre outros grupos da sociedade, como os quilombolas e os camponeses. As diversas formas de relação com a terra, orientadas por lógicas distintas da capitalista, não foram devidamente reconhecidas pelo modelo hegemônico, o que criou obstáculos determinantes à manutenção e reprodução econômica, social, política e cultural dos povos tradicionais. A propriedade privada, no Brasil, serviu à construção de uma estrutura fundiária extremamente concentrada e excludente, como forma de atender aos interesses de uma elite. A luta pelo direito de acesso à terra levou ao reconhecimento da necessidade de se realizar uma reforma agrária, que foi sempre questionada como afronta ao direito de propriedade privada. Assim, essa política estaria associada a um projeto socialista, que seria anacrônico ao se considerar a hegemonia do capitalismo liberal. Por outro lado, a maneira como a reforma agrária tem sido realizada no país permite que se verifique a aplicação de elementos puramente capitalistas, representando a expansão territorial e social desse sistema. Pela reforma agrária, então, promove-se a inclusão de terras ociosas e de mão de obra sub-explorada na lógica produtora e consumidora de mercadorias. Então, em vez de propor novas formas de relação com a terra, a reforma agrária reforça os padrões capitalistas que a fizeram necessária. O Estado permanece agindo como mediador dos interesses burgueses, servindo à organização da sociedade com a finalidade de que se ampliem as condições de prosperidade do sistema, sem atenção à efetivação de direitos fundamentais. E considerando o programa oficial de venda das terras aos assentados da reforma agrária, a política é efetivamente custeada pelos camponeses, cabendo ao Estado a intermediação de uma negociação que poderia se dar diretamente com o antigo proprietário. Com isso, o acesso à terra não permite a emancipação do trabalhador rural, apenas altera as relações de poder que determinam, sem deixar de coagir, a sua forma de existir.
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