DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA, POLÍTICAS PÚBLICAS E DIREITOS SOCIAIS

Autores

  • Emerson Affonso da Costa Moura Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ
  • Elias Augusto Lengruber Universidade Federal Fluminense, UFF

Resumo

O constitucionalismo contemporâneo tem exercido um papel importante na proteção e promoção dos direitos fundamentais, em especial, dos direitos sociais uma vez que o reconhecimento da força normativa da Constituição[1] e a posição de centralidade ocupada pelo homem na ordem jurídica condiciona a interpretação das normas jurídicas e vinculam a atuação dos poderes públicos na concretização dos bens e interesses veiculados[2].

Os direitos sociais enquanto veiculado por normas constitucionais gozam de exeqüibilidade plena, permitindo sejam os bens e interesses que tutelam exigíveis perante o Estado[3]. Em razão disto, observa-se uma tendência progressiva de reconhecimento de sua dimensão subjetiva de forma a garantir a sua concretização no mundo dos fatos.

Cabem, portanto, aos poderes públicos na concretização dos preceitos fundamentais, observadas as possibilidades das regras e princípios constitucionais e limitados aos seus respectivos campos de conformação ou discricionariedade, decidirem sobre as questões políticas definindo quais são capazes de atender as necessidades do grupo social[4].

O Poder Judiciário na sua função contramajoritária exerce o controle dos atos políticos restrito à proteção dos princípios e regras constitucionais em face do interesse da maioria, reconduzindo sempre que possível sua argumentação à razão prática de forma a garantir a legitimidade e a racionalidade de suas decisões, porém, é inevitável a tensão entre democracia e constitucionalismo.

No sistema representativo o campo adequado para o debate sobre a conveniência da decisão política é o controle social através de mecanismos que variam desde a mobilização da sociedade civil na fiscalização da gestão pública até a responsabilização política através de eleições competitivas[5].

Todavia, por discricionariedade administrativa não se pode mais compreender o espaço amplo de liberdade decisória concedida à Administração Pública na eleição entre os indiferentes jurídicos, inserto na esfera de atribuição concedida pela norma jurídica e de acordo com a formulação dos juízos de conveniência e oportunidade promovidos[6].

Existem fins esperados e exigíveis da atuação estatal, exteriorizado na realização dos bens e interesses fundamentais da sociedade veiculados pela Constituição, inclusive, com a definição de prioridades e dispêndio dos recursos estatais, que vinculam os poderes públicos construindo no espaço de sua atuação limites objetivos invioláveis[7].

Transmuta-se, portanto, a concepção da discricionariedade administrativa de uma ampla esfera de escolha na persecução do interesse público não sujeito a controle pelos poderes públicos a um campo de ponderações proporcionais e razoáveis entre os bens e interesses constitucionais, sujeita a controle exercido pelo Poder Judiciário[8].

Isto importa no estreitamento do mérito administrativo pelos procedimentos técnicos e jurídicos definidos pela Constituição ou lei que permitam o exercício da opção política capaz de garantir a otimização do grau de legitimidade da decisão administrativa com a integração nos limites de sua competência ao atendimento do interesse público[9].

Sob este prisma, busca o presente trabalho demonstrar a possibilidade de controle do mérito administrativo pelo Poder Judiciário, no que tange as políticas públicas que buscam implementar os direitos sociais, de forma a tutelar através de um juízo de legalidade e de proporcionalidade, os respectivos direitos fundamentais de segunda geração.

De início, aborda-se a questão da exigibilidade dos direitos sociais, de modo a delimitar o núcleo a ser garantido pela tutela judicial, na busca pela efetividade do preceito constitucional que seja passível de minimizar a eventual problemática da legitimidade e contribuir na preservação dos valores democráticos.

Após, são vistas as políticas públicas de modo a delimitar a ação governamental na esfera administrativa como forma de concretização dos bens e serviços necessários a sua fruição dos direitos sociais, verificando as limitações e a sua respectiva sujeição ao controle em esferas adequadas.

Por fim, a análise concentra-se nos limites à discricionariedade administrativa no âmbito das políticas públicas de implementação dos direitos fundamentais, de forma a delimitar standards que permitam garantir a concretização dos direitos sociais sem que signifique em desconsiderar o espaço de decisão administrativa.


[1] HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1991. p 14-15.

[2] Sobre as transformações do direito constitucional contemporâneo, consulte-se por todos: BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito: O Triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil in: Cláudio Pereira de Souza Neto e Daniel Sarmento (Orgs). A Constitucionalização do Direito: Fundamentos Teóricos e Aplicações Específicas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 203-250.

[3] As normas constitucionais tenham caráter imediato ou prospectivo como regras de conduta emanadas do Estado são dotadas de eficácia jurídica. Assim, incidem e regem as situações de vida produzindo os seus efeitos próprios, e, diante da sua inobservância espontânea deflagram mecanismos de aplicação coativa. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 6 ed. Rio de Janeiro: Saraiva, 2006. p 248 e 274.

[4] Isto não importa, todavia, na intangibilidade do conteúdo do ato do Poder Público. O princípio da razoabilidade tem sido utilizado para aferir à adequação entre os motivos, os meios e os fins empregados, permitindo a invalidação dos atos inadequados, desnecessários ou excessivos em relação aos valores vigentes da sociedade. Sobre o tema: OLIVEIRA, Fábio Corrêa Souza de. Por uma teoria dos princípios: o princípio constitucional da razoabilidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003.

[5] Sobre as técnicas de participação formais e informais da sociedade na atividade estatal e a sua atuação como instrumentos de legitimação do poder do Estado consulte-se por todos: MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito da Participação Política. Rio de Janeiro: Renovar, 1992. Vide também: JUSTINO DE OLIVEIRA, Gustavo Henrique. Participação Administrativa in: OSÓRIO, Fábio Medina e SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito Administrativo Estudos em Homenagem a Diogo de Figueiredo Moreira Neto. Lumen Juris: Rio de Janeiro. 2006 p. 401-428.

[6] Nesta ordem, compreende o mérito administrativo os juízos formulados pela Administração Pública acerca da conveniência, oportunidade, equidade e demais critérios utilizados na decisão administrativa que são definitivos e inquestionáveis perante o poder Judiciário. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Da Discricionariedade Administrativa. São Paulo: Atlas, 1990. p. 92.

[7] Há casos em que a Constituição consagra de forma explícita os fins esperados, como ocorre com a obrigatoriedade da prestação universal da educação fundamental e medicina de urgência, de modo que condicionar sua promoção à discricionariedade administrativa e conformação legislativa seria violação dos direitos individuais e políticos, cujo exercício pressupõe a garantia mínima do bem-estar, que envolve a realização de condições econômicas e sociais básicas. BARCELLOS, Ana Paula de. Constitucionalização das Políticas Públicas em Matéria de Direitos Fundamentais: O Controle Político-Social e o Controle Jurídico no Espaço Democrático in Revista de Direito do Estado. Ano 1. n. 3. 2006. p. 37. e MOURA, Emerson Affonso da Costa. Do Controle Jurídico ao Controle Social das Políticas Públicas: Parâmetros a Efetividade dos Direitos Sociais. Mimeografado. 2010. p. 10

[8] Neste tocante, cabe ao Poder Judiciário a correção da discricionariedade, apurando a sua conformidade com o Direito, a racionalidade do discurso que a legitima, o atendimento ao código dos valores dominantes e a proporcionalidade na correlação lógica entre motivos, meios e fins, de forma a preservar a escolha do meio menos gravoso e proporcional aos fins a serem alcançados. CUNHA, Rubem Dário Peregrino. A juridicização da discricionariedade administrativa. Salvador: Vercia, 2005. p. 168-172.

[9] Sendo a discricionariedade competência cometida à Administração para integrar a vontade da lei ou Constituição, corresponde a um resíduo de legitimidade da opção política, que terá a alcançada sua legitimidade por sua fundamentação e eficiência, traduzida na melhor realização dos bens e interesses socialmente almejados. MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Legitimidade e Discricionariedade. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 7-8 e 32-33.

Biografia do Autor

Emerson Affonso da Costa Moura, Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ

Doutorando em Direito da Cidade pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Mestre em Direito Constitucional e Especialista em Direito da Administração Pública pela Universidade Federal Fluminense.

Elias Augusto Lengruber, Universidade Federal Fluminense, UFF

Graduando em Direito e Pesquisador no Laboratório de Estudos de Direito Administrativo Comparado (LEDAC) da Universidade Federal Fluminense (UFF).

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Publicado

2016-03-10

Como Citar

Moura, E. A. da C., & Augusto Lengruber, E. (2016). DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA, POLÍTICAS PÚBLICAS E DIREITOS SOCIAIS. Anais Do Congresso Brasileiro De Processo Coletivo E Cidadania, (3), 249–253. Recuperado de https://revistas.unaerp.br/cbpcc/article/view/559

Edição

Seção

Direitos sociais e políticas públicas